sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Santa Térèze...Valhei-me!

Minha fé nos milagres gastronômicos do Restaurante Térèze, que foram revelados a pouco tempo atrás, através de uma reportagem publicada num jornal de grande circulação, fez com que eu pegasse a tortuosa Via Crucis que leva ao bairro de Santa Teresa, disposto a desfrutar de todas as energias gustativas que, supostamente, seriam ali encontradas.
Por pensar em cometer o pecado capital da Gula, mesmo que dentro da minha inocência de gourmet, imaginei que seria digno de um perdão, tamanha foi a maneira como a minha curiosidade (ai meu Deus, sempre ela), foi aguçada pelas palavras proferidas na tal reportagem, sobre este local.
Tive o cuidado de primeiro conversar com o Chef Damien Montecer, por telefone, já que ele é o detentor mor dos segredos do local e para saber se estaria presente na noite da nossa visita.
Como sou um profissional de Alimentos e Bebidas, sei que somente através do "Papa" é que alcançaríamos o nosso objetivo de sermos abençoados com um  menu especial do Chef, ao pé-da-letra, e cuja sequência de pratos, estaria sob sua total proteção.
Desta forma, reservamos uma mesa para três pessoas, sendo que ao chegarmos no templo sagrado, meio que perdidos e tropeçando na escuridão dos jardins mal iluminados do hotel, onde o mesmo está localizado, fomos saudados por uma jovem hostess, que nos informou sobre o fato de que o Chef Damien estaria a nossa espera, para poder nos brindar com algumas das suas sugestões, conforme havíamos combinado anteriormente.
Me senti muito prestigiado, e ao mesmo tempo honrado, diante de tão grande demonstração de respeito e carinho, ainda mais por saber que receberia uma atenção toda especial que seria dispensada pela autoridade maior do local.
Ficamos esperando por esta nobre visita, e nada do Chef,
Cobrando a sua presença, tão demorada, nos informaram que ele já havia ido embora a tempos, mesmo sem ter vindo, pelo menos, nos cumprimentar.
Durante o tempo que foi disperdiçado, aguardando a chegada do Chef, pelo menos aproveitamos para cumprir com a  nossa penitência, que foi a de aprender a equilibrar os desconfortáveis menus numa posição que nos permitisse lê-los, já que por terem a forma de talão de cheques, era muito difícil mantê-los eretos o tempo todo.
Após alguns minutos de concentração na leitura do mesmo, conseguimos penetrar no conhecimento das sacras opções de entradas, pratos principais e sobremesas, inclusive, escolhendo um vinho para o "marriage" com o que pretendíamos comer.
Subitamente, aparece um garçon que nos diz, no soar das trombetas:
- Senhores, não sei se é do seu conhecimento, mas, hoje é a última noite que estaremos servindo este cardápio, já que amanhã, começaremos com um outro, totalmente novo, portanto, infelizmente, não estão disponíveis esta noite, os pratos preparados com o Vitelo ou com as Codornas.
Meu corpo todo estremeu, pois, diante daquela revelação, com certeza senti que eu estava sendo castigado por todos os meus pecados do passado.
Na mesma hora, claro, entendi o por quê da furtiva saída do Chef,  à francesa, sem ter vindo a nossa mesa como prometido.
Certamente ele sabe que os milagres só acontecem com dia e hora marcados, e agregados das suas devidas bençãos.
Fiquei me questionando sobre como pôde o nosso prezado colega ter me omitido esta informação quando do nosso contato por telefone?
Me parece que seria mais sincero e coerente, já que sou um profissional desta área, que ele nos dissesse de forma sutil, para que trocássemos a data da visita, a fim de que pudesse nos atender melhor, o que seria mais prudente.
Neste momento, já injuriado diante deste fato embaraçoso, por casualidade olhei para a faca que estava bem a minha frente e notei que a mesma apresentava a ponta totalmente amassada e contorcida, talvez por ter caído no chão, ou, quem sabe, ter sido usada para apertar algum parafuso.
Isto demonstra que restaurante é uma soma constante de detalhes, e que estes devem estar associados ao treinamento contínuo daqueles que participam dos serviços, a fim de que entedam qual a importância de cada um dentro do contexto daquilo que estão fazendo.
O correto mesmo, e como manda o figurino, é que o gerente confira tudo antes de serem iniciados os serviços do dia, a fim de não colocar  os clientes, numa situação vexatória de ter que constatar uma negligência como esta.
Alem disto, também encontramos migalhas de pão sobre a nossa mesa, que certamente eram oriundas da multiplicação dos pães mordiscados por outros clientes, já que nós não tivemos contato algum com qualquer tipo deles.
No meu ouvido direito, o anjo bom sussurava que eu deveria ter fé e continuar ali, porém, no esquerdo, o danado do diabinho me gritava dizendo justamente o contrário.
Diante deste terrível impasse, decidi dar ouvidos ao anjo bom, acreditando que o Chef Damien, mesmo sem estar presente fisicamente, poderia, espiritualmente, colocar as mãos nas frigideiras e nos  oferecer um ágape inesquecível.
Acabamos por escolher três entradas diferentes, sendo uma delas o palmito pupunha fresco  grelhado, do qual estou meio que em dúvida se não é comprado em lata, com vinagrete de rapadura e salada de agrião e um queijo minas curado crocante.
Um dos colegas de mesa escolheu um tartare minute de salmão fresco com maçã verde, e o outro, um polvo grelhado com cuscuz marroquino.
Fomos unânimes em considerar que todas as entradas estavam boas, porém, era  notável que faltava ali a santa mão do Chef, principalmente, na escolha dos insumos.
Enquanto nossas suites estavam por vir, minha mente foi tomada de um sentimento de grande tristeza, por constatar que os "conceitos" atualmente empregados na maioria dos restaurantes, colocam as toalhas e seu inseparável co-irmão, o cobre-mancha,  numa condição de desnecessários e obsoletos, quando que na realidade eles jamais poderiam perder seus lugares no altar sagrado da elegância e da boa gastronomia.
Toda a mobília do restaurante era belíssima, construída com madeira de demolição, sendo que as cadeiras e mesas, com um design arrojado, davam um toque de requinte ao décor do local, porém, sobre as mesas não havia mais que um mero caminho de tecido de cor preto, e jogos americanos de palha trançada, oriundos da India ou Indonésia.
O que deve ser visto e entendido, para fazermos uma análise objetiva, é que virou moda convocar renomados arquitetos para projetarem os interiores de restaurantes, muito embora eles não entendam nada sobre a real necessidade da movimentação do serviço dos mesmos, donde se conclui que os espaços ficam lindos, porém, sem oferecerem as melhores condições de trabalho.
Um exemplo do que estou dizendo pode ser constatado através da luminária que pendia sobre a nossa mesa, com uma luz tão forte e que incidia direto nos meus olhos, me impedindo de ver com clareza todo o interior do restaurante, assim como a apresentação dos pratos escolhidos pelos meus colegas.
Voltando ao jantar, e ao "marriage", pedimos um vinho Sancerre, safra 2008, que mais uma vez chegou à mesa com a temperatura inadequada, e isto com a anuência do sommelier.
Como prato principal, dois de nós escolhemos o risotto del mare, com polvo, lula e camarão grelhados, arroz negro e mousseline de abóbora japonesa.
O terceiro membro da mesa optou por um risotto moqueca, com camarões flambeados em cachaça Magnífica, sendo o arroz misturado na base da própria moqueca.
Nossas considerações apontaram para esta idéia como sendo interessante e bem saborosa, porém, não podemos deixar de registrar nosso desapontamento por ver que nos outros risottos, as lulas estavam duras por demais, os polvos tão moles e sem textura, que jamais poderiam ser frutos de um preparação do dia.
Meio que desapontados, dado ao não acontecimento do tal milagre que nos deveria levar ao deleite, como foi o caso da profissional que escreveu para o jornal, e ainda para não incidirmos em mais comparações, decidimos pedir a mesma sobremesa para os três, que era um rocambole com cobertura "crumble", recheado com doce de leite, agregado de meio pêssego em calda, com um toque de vinho, e um sorvete que nos informaram ser de pêssego, mas, que do qual não conseguimos identificar este sabor, mesmo depois que o segredo nos foi revelado.
No final, recebemos a promessa por parte da gerência, de que certamente seríamos contatados pelo Chef Damien, que nos convidaria para retornarmos em um outro momento mais favorável, já que o menu que arrancou tantos elogios da jornalista, e que nos deu a sensação de podermos desfrutar de algo divino no Restaurante Térèze, foi feito exclusivamente para ela, objetivando, claro, a publicação na revista.
Ora, desta maneira, fica evidenciado que foi um "santo-do-pau-ôco" o autor dos milagres gastronômicos que levaram nossa colega, na sua crônica, à exaltação das qualidades do restaurante, o que me parece ser algo que poderia ser oferecido a todos os pobres mortais, desde que seja este o propósito do "Conselho dos Bispos".
Como diria meu falecido amigo Ibrahim Sued: - Gigi, eu chego lá!
Jacques .'.

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